Esse é o quintal onde as minhas memórias de infância mais deliciosas habitam. Na verdade, é o portal para elas e para ele – o quintal – também. No caso do quintal, consigo, a partir dessa foto, percorrer cantos e esconderijos que não estão visíveis na imagem. Consigo chegar na mangueira onde eu tinha um canto só meu, na goiabeira preferida, nas escadas, barrancos, pedras, plantas, cheiros, texturas. Consigo sentir a terra áspera e as folhas mornas depois das chuvas de verão sob meus pés. Consigo sentir o gosto da goiaba “de vez”, aquela que ainda não está madura, mas minha vontade de comer era tanta que nem esperava madurar. O cheiro doce das mangas carlota e espada. O azedinho da carambola e das begônias que insistia em comer apesar da reprovação da minha avó que as cultivava. Ouço o vozerio da criançada brincando nas tardes quentes – Olímpia! Era o grito de guerra para o jogo de polícia e ladrão. Pressinto a rede sempre estendida do meu avô. Sinto o cheiro de comida boa da avó.
É uma imagem voucher para essa viagem no tempo. As portas fechadas para mim estão abertas e guardam também alguns segredos. Essa imagem é uma casa de mim. Um habitar meu muito íntimo.
Por sentir que posso habitar as imagens e elas me habitarem como se fosse seu corpo, me interesso por elas. Elas me provocam, me instigam e me alimentam. Somos confidentes.
*Andrea Barbosa é antropóloga, professora da Universidade Federal de São Paulo e coordenadora do Visurb. Contato: andrea.barbosa@unifesp.br