O avesso da imagem — Por Marcela Vasco

Segundo Ingold (2007), a diferença entre escrever e bordar é que na escrita traços são feitos sobre uma superfície, enquanto no bordado os traços são transformados em fios, ou seja, o molde é marcado com traços na superfície do tecido da mesma maneira que quem escreve, mas ao recorrer à agulha, esses traços se traduzem em fios. A observação de Ingold é interessante, porém, deixa escapar uma sutileza presente no bordado.

Bordar é um jogo entre aquilo que se dá a ver e aquilo que se esconde. Cada ponto é um movimento mais ou menos pré-determinado feito do lado direito do tecido e outro muito mais livre realizado no seu avesso. Bordar é sobre travessia, é sobre cruzar constantemente uma fronteira entre o mostrar e o esconder, entre o ponto ensaiado e gesto mais livre.

Enquanto o direito exibe aquilo que Ingold viu no bordado, o avesso conta seus segredos: qual a trajetória da linha?; quando ela teve que ser substituída por uma outra?; como é o arremate?; quem fez o bordado tentou ocultar seus movimentos ou não se importou em escondê-los?

Depois de tantos anos fascinada com os segredos presentes no avesso dos bordados, cismei em conhecer o avesso das fotografias. Meu interesse naquilo que a imagem mostra tem dado cada vez mais lugar aos recados escritos nos versos, aos beijos marcados de batom, às histórias de como foi feita a foto, de quem guardou, de como guardou, às lacunas, rasgados e riscados, às fotografias que não nasceram ou que foram perdidas, abandonadas, queimadas… Que segredos o “avesso” de cada imagem esconde?

Evidentemente, virar uma imagem do avesso é diferente de virar um bordado do avesso, mas talvez ainda nos sirva o conselho do grande Guimarães Rosa: “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia” (2007).

Meu avesso

REFERÊNCIAS:

INGOLD, Tim. Lines: a brief history. London: Routledge, 2007.

GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

Marcela Vasco tem mestrado em Ciências Sociais pela Unifesp e Doutorado em Ciências Sociais pela Unicamp. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Visual, atuando principalmente nos temas Fotografia, Memória e Etnografia. Participa do Visurb desde 2013.

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