Eu não sou fluente em fotografês.
Para mim, é daqueles idiomas bonitos, na fila de coisas importantes que a gente quer aprender, e enquanto isso geralmente não funciona para que eu me comunique com outrem de alguma forma desejada e compreendida por ambos, consentindo quais sentidos se comungam na interpretação das coisas. Mesmo assim, se vejo fotos, prefiro não vê-las legendadas. Se é para não conectar a imagem direto à mensagem, prefiro dar a ela os meus próprios sentidos – quais sejam, aqueles 5 ou 6 do corpo, suas sensações e não palavras. Assim, sempre que leio fotos, fico como se fosse criancinha. Vou para as formas, as cores, não sabendo bem se me importa tanto significá-las ou de que maneira o faço, mas tocando a luz dos corpos com que posso me relacionar; as texturas e, às vezes, cenas ilustrativas, figurativas, retratos, a casa, a montanha, duas nuvens, o sol fazendo desgraça no papel. É uma coisa de outro mundo. Boa. A foto é uma ferramenta rica para a imagem. Mas, sabemos, né: a foto não é tudo. Imagem é uma coisa mais maluca, projeta-se com ou sem matéria própria, e nesse ponto – o íntimo e subjetivo – me fascina ainda mais.
Pensar imagem, para mim, é parecido um pouco com o pensar na dança. Tem a ver com uma organização de um tempo, tem a ver com representação, performance, comunicação, sentidos e, bem, tem muito mesmo a ver com deslocamentos. Daí que, desde uma espécie de dança, isto é, de um movimento-desenhado, resolvi discutir perspectiva e meter essa discussão lá no meio da pesquisa de mestrado.
Na pesquisa, cidade é o contexto, o tema também. O recorte é um bocado de gente que ocupa o até então inocupável vão aéreo dos vinte e oito metros entre o topo e a base de um viaduto, pendurando-se por ali com cordas, e não só ali – tantas vezes se ocupam muros e paredões –, mas ali com mais impacto. Os sentidos dessa ocupação falam de perspectiva tanto na sensorialidade quanto na significação: o viaduto certamente já não é o mesmo em função, significado e imagem a partir do momento em que tem, lá, as práticas verticais. Assim como senti-lo e vê-lo ganha – literalmente – novas dimensões quando é possível observá-lo enquanto se pendula – como corpo observador – para lá e cá, sob sua sombra.
Nessa intenção e jornada, no entanto, me vi entre as quatro paredes de um apartamento fazendo pesquisa sem ser (mais) esse corpo. Eu não via mais o viaduto. Passei então a recorrer aos meus interlocutores: em vez de retratá-los, pedir que compartilhassem comigo fotos de si mesmos e/ou de contextos das práticas verticais que acreditassem bem representá-los, suas sensações, seu ser-verticaleiro, seu fazer-cidade vertical. Nas raras fotos que recebo, tem sido estonteante. Sinto que de alguma forma as sensações que vivencio adentram essa interlocução como linguagem, isto é, comunico-me com as fotos e elas são então, a partir daí, imagem.
Não sou mesmo já fluente em fotografês. Mas em dançar pelos ares, ainda sou. E, puxa!, como me sinto ali, na imagem transportada em corpo inteiro. Revisito então alguns momentos em que fui também em tempo real esse corpo, esse passo suspenso, e estive ali “em campo”, antes de o campo ser campo e tudo o mais. Imagem, fotografia, ilustração – as verticais compõem isso tudo com seu próprio dialeto. Faço pesquisa sobre perspectiva, deslocar perspectivas fazendo da parede, chão, e do vazio, caminho. E é emocionante constatar que podemos viajar juntos por ele, ainda que nem sempre falemos o mesmo olho.
Barbara Côrtes é mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP – 2017), participa do Visurb desde 2020.